Cada instante de vida é uma dádiva. De vez em quando o véu se ergue e enxergamos isso.
A primeira amizade íntima que tive aconteceu nos meus quinze anos. Chuck e eu frequentamos colégio e faculdade juntos; saíamos com as namoradas juntos (e levávamos o fora juntos); fomos confidentes, conselheiros e companheiros um do outro em cada acontecimento importante de nossa vida.
Anos atrás, Chuck me telefonou para contar que estava com câncer. O prognóstico inicial era muito bom, apesar de ele ainda precisar se submeter a um tratamento complicado. Em uma atitude típica, ele raspou a cabeça antes de começar a quimioterapia, encheu-a de cola, espalhou glitter dourado em cima e saiu andando pela casa só de cueca, dizendo que era o "Quimio-Man".
Chuck e eu vivíamos mais de três mil quilômetros de distância um do outro nessa época, mas conversávamos todos os sábados de manhã no período que durou o tratamento. A quimioterapia destruiu-lhe o apetite. Incapaz de manter a comida no estômago, ficou tão esquelético e macilento que se tornou quase irreconhecível até para os filhos. Depois de algum tempo foi acometido de uma infecção. Sua saúde ficou bastante precária porque a quimioterapia lhe debilitara demais o sistema imunológico. Entretanto, ele venceu e concluiu o tratamento. O "Quimio-Man" prevalecera.
Um mês depois, fez sua primeira avaliação pós-quimioterapia. Chuck me telefonou aquela noite: de acordo com o médico, o câncer voltara e atingira níveis tão altos quanto antes do tratamento. Sendo ele também um médico, sabia que o retorno do problema com tanta força e velocidade significava que não lhe restava muito tempo. Era uma sentença de morte.
Fiquei paralisado. Quando fui para a cama aquela noite, não conseguia nem orar. "Deve haver algum engano", protestei. "Acabarão descobrindo que está tudo bem." Maravilhei-me com a rapidez com que a negação da realidade se instala na mente.
As seis e meia da manhã seguinte, Chuck telefonou de novo. - Você não vai acreditar - anunciou.
Alguém do laboratório se enganara e trocara seus resultados com os de outro paciente, uma pessoa que ainda não se submetera a nenhum tipo de tratamento. Resumindo, o câncer de Chuck de verdade desaparecera - e nunca mais voltou a se manifestar em todos esses anos.
- Eu vou viver - meu amigo dizia. - Vou ver meus filhos crescerem. Vou envelhecer ao lado da minha mulher. Vou viver.
Por uns poucos instantes não fizemos outra coisa além de chorar ao telefone como personagens de um comercial dos cartões Hallmark. Meu amigo disse que estava experimentando um sentimento de gratidão como jamais conhecera. Não conseguia parar de tocar nos filhos ou de abraçar a esposa. Tudo que o incomodava antes desvanecera até a completa insignificância. Sobreviveria - de repente, além da noção mental de que a vida é uma dádiva, ele descobria essa verdade no nível da experiência pessoal. Não a merecemos, não podemos controlá-la, não podemos dar como certo nem um de seus segundos. Todo tique e todo taque do relógio é um dom de Deus.
[A vida que você sempre quis - John Ortberg]